SÓCIOS
Outubro 2023

CASO CLÍNICO DO MÊS 

TÍTULO: Cirurgia de resgate após falência de anastomose colo-anal. 

AUTORES: Rita Vale Martins, Filipe Almeida, João Ribeiro, Paulo Alves, Paulo Mira -Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca, Serviço de Cirurgia Geral 

CASO CLÍNICO 

Homem de 45 anos, com antecedentes de gastrite crónica, litíase renal, e status pós-apendicectomia. Trata-se de um doente com o diagnóstico de neoplasia do recto médio (com queixas de diminuição do calibre fecal, rectorragias e dor abdominal). Da avaliação realizada destacam-se: (a) ao exame objectivo, no toque retal, esfíncter normotónico, lesão não palpável; (b) Colonoscopia com lesão vegetante aos 10 cm da margem anal, que ocupa toda a circunferência do recto; (c) TAC TAP com micronódulo pulmonar, sem metastização à distância; (d) RMN pélvica a mostrar neoplasia do terço médio do recto mrT3b mrN1, envolvimento da fascia mesorectal e peritoneal, sem invasão venosa extra-mural (IVEM); (e) Avaliação anatomopatológica compatível com adenocarcinoma do recto, com pMMR. 

O doente foi proposto para TNT (RAPIDO), tendo durante o tratamento necessidade de suspensão da oxaplatina no 8º ciclo por toxicidade neurológica. Foi submetido a RAR ETM taTME com ileostomia de protecção, intra-operatóriamente constatou-se uma lesão tumoral a 6 cm da linha pectínea, foi realizada uma anastomose telescópica colo-anal manual aos 4 cm da margem anal. Teve uma evolução favorável no pós-operatório. Da avaliação da peça operatório destaca-se ypT1 N0 R0. Duas semanas após o procedimento recorreu ao Serviço de Urgência por dor anal intensa, febre e drenagem transanal de conteúdo hematopurulento com cheiro fétido. Ao exame objectivo o abdomen é mole, depressível e indolor, confirma-se o cheiro fétido do líquido drenado, a linha de sutura interrompida, e há suspeita de isquémia do conduto cólico proximal à anastomose. 

O que fazer? 

a. Avaliação analítica, antibioticoterapia 

b. Avaliação imagiológica com TAC com contraste endovenoso. 

c. Exploração cirurgica 

 

Da avaliação analitica destaca-se apenas uma PCR de 5.96mg/dL, foi iniciada antibioticoterapia de largo espectro com Piperacilina + Tazobactam. Foi realizada uma TAC abdominopélvica com contraste endovenoso (Fig. 1, 2, 3) que mostrou uma colecção pré-sagrada de 65x22x66mm com componente gasoso em comunicação com a zona da anastomose prévia. Existia ainda espessamento da parede cólica a nível da colecção e ausência de sinais de isquémia intestinal.
Foi proposta exploração cirúrgica, tendo-se constatado necrose do conduto cólico numa extensão de 5cm proximalmente à anastomose. Foi realizada lavagem, desbridamento e drenagem da loca pré-sagrada, bem como mobilização trans-anal do conduto cólico (2-3cm), ressecção do segmento isquémico e re-anastomose colo-anal com pontos separados. Às 24h o doente evoluiu com rectorragias abundantes. 

O que fazer? 

a. Re-exploração cirúrgica 

b. Mobilização do cólica por via laparototómica e Pull-through 

c. Anastomose colo-anal diferida 

 

Durante a re-intervenção verifica-se deiscência parcial da anastomose com preenchimento do espaço pré-sagrado por coágulos. Opta-se por abordagem laparotómica. Foi realizada lise de bridas e aderências, mobilização do cólon para posterior exteriorização trans-anal, cerca de 8cm, e fixação ao canal anal com 4 pontos cardinais (Pull-through). Ao 7º dia após esta intervenção foi realizada a excisão de 5cm de cólon (por necrose) e anastomose coloanal, ao cólon viável, manual com pontos separados. Posteriormente, o doente apresentou uma evolução favorável, tendo realizado encerramento da ileostomia aos 4 meses de pós-operatório, sem queixas funcionais. 





Figuras 1, 2 e 3: TAC pélvica a mostrar colecção pré-sagrada e espessamento cólico 

DISCUSSÃO 

A técnica standard no tratamento da neoplasia do recto médio-baixo é a Ressecção Anterior do Recto (RAR) com anastomose imediata com ou sem ressecção inter-esfinteriana (total ou parcial), dependendo do envolvimento do esfínter interno (1). Dadas as complicações associadas a este procedimento, deve ser considerada a realização de uma ostomia de derivação. Esta, apesar de diminuir os riscos associados à sépsis pélvica, não elimina a ocorrência de complicações associadas à anastomose, cuja resolução é complexa e pode levar à amputação abdominoperineal e colostomia definitiva –situações com importante morbiliddade e impacto negativo na qualidade de vida dos doentes (2). 

O pull-through foi descrito pela primeira vez em 1932 por Babcock (3). Em 1950, Swenson descreveu a técnica acompanhada de anastomose colo-anal imediata para patologia benigna e maligna do recto, contudo, com taxas consideráveis de deiscência e infecção pélvica (3). Posteriormente, em 1961, foi descrita com anastomose diferida, por Turnbull e Cutait (3). 

Para além do seu uso no tratamento da doença de Hirschprung, o pull-through é uma técnica adequada para doentes com fístulas complexas, pélvis hóstil no contexo de irradiação, infecção pélvica crónica e como cirurgia de resgate por complicações de anastomoses colo-rectais (3). É desancoselhado em indivíduos com incontinência fecal conhecida, hipotonia esfinteriana marcada ou destruição do pavimento pélvico com extenso envolvimento esfinteriano (2). 

As suas principais vantagens são: (a) permitir avaliar a viabilidade cólica; (b) beneficiar das aderências/selagem formada entre a mucosa do canal anal e a serosa cólica; (c) evitar uma anastomose imediata num território infectado e hóstil. (2) 

De acordo com as séries descritas na literatura é uma técnica que permite o reestablecimento da continuidade intestinal em cerca de 70% dos doentes, com complicações pós-operatórias maioritariamente Clavien-Dindo I-IIIa (2,4,5,6,7). Tem resultados funcionais aceitáveis, sobretudo com apoio do biofeedback, e é rara a necessidade de ostomia definitiva por incontinência completa (2, 4, 5,6,7). 

Assim, o pull-through é, um recurso útil no arsenal do cirurgião colo-rectal, na presença de complicações relacionadas com a anastomose, permitindo como apresentado um bom resultado no reestablecimento da continuidade intestinal. 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

1. La Raja C, Foppa C, Maroli A, Kontovounisios C, Ben David N, et al. Surgical outcomes of Turnbull-Cutait delayed coloanal anastomosis with pull-through versus immediate coloanal anastomosis with diverting stoma after total mesorectal excision for low rectal cancer: a systematic review and meta-analysis. Tech Coloproctol. 2022 Aug;26(8):603-613. 

2. Hallet J, Bouchard A, Drolet S, Milot H, Desrosiers E, Lebrun A, et al. Anastomotic salvage after rectal cancer resection using the Turnbull-Cutait delayed anastomosis. Can J Surg. 2014 Dec;57(6):405-11. 

3. Bianco F., De Franciscis S., Belli A., Di Lena M., Mastromarino R. and Romano G.M. The pull-through procedure: a new role for an old operation. Società Italiana di Chirurgia ColoRettale. 2014; 41: 335-338 

4. Patsouras D, Yassin NA, Phillips RK. Clinical outcomes of colo-anal pull-through procedure for complex rectal conditions. Colorectal Dis. 2014 Apr;16(4):253-8. 

5. Ryckx A, Leonard D, Bachmann R, Remue C, Charles S, Kartheuser A. Single center experience with salvage surgery for chronic pelvic sepsis. Updates Surg. 2022 Dec;74(6):1925-1931. 

6. Barugola G, Bertocchi E, Gentile I, Cracco N, Sartori CA, Ruffo G. Hostile pelvis: how to avoid permanent stoma. Updates Surg. 2018 Dec;70(4):459-465. 

7. Maggiori L, Blanche J, Harnoy Y, Ferron M, Panis Y. Redo-surgery by transanal colonic pull-through for failed anastomosis associated with chronic pelvic sepsis or rectovaginal fistula. Int J Colorectal Dis. 2015 Apr;30(4):543-8