Figura 1: Imagens de defeco-ressonância, em sequência T2, corte axial (A) e sagital (B) mostrando a massa pré-sagrada.
Foi também efetuada uma tomografia computadorizada (TC) toraco-abdomino-pélvica, que identificou uma massa heterogénea hipervascular no espaço pré-sagrado (84 × 80 × 76 milímetros), com calcificações grosseiras e áreas de necrose, com aparente plano de clivagem das estruturas adjacentes, agenesia parcial do corpo do sacro à direita e múltiplas adenomegalias ilíacas (a maior com 13 milímetros). Massa sem aparente comunicação com o sistema nervoso central. Sem alterações na avaliação torácica. ![]() Figura 2: Imagens de TC com evidência de agenesia parcial do corpo do sacro à direita (identificada com seta).
Optou-se por biópsia da massa pré-sagrada e o exame anatomopatológico foi compatível com tumor neuroendócrino bem diferenciado. A tomografia por emissão de positrões com Ga68-DOTA-TOC revelou intensa hiperexpressão anómala de recetores da somatostatina na massa pré-sagrada, com envolvimento ganglionar na sua periferia e metastização medular e óssea. Foi realizado doseamento de Cromogranina A sérica que se encontrava dentro dos limites da normalidade. Após discussão em reunião multidisciplinar, foi decidida cirurgia para exérese da neoplasia pré-sagrada. Intra-operatoriamente, identificou-se um megacólon e dilatação do cólon sigmóide com > 10 centímetros de maior diâmetro, preenchidos por fezes duras e uma volumosa massa pré-sagrada sem plano de clivagem com o reto distal e com envolvimento esfincteriano. O doente foi submetido a amputação abdominoperineal com excisão em bloco da peça cirúrgica, com esvaziamento ganglionar ilíaco e pélvico bilateral. O período pós-operatório imediato foi complicado com episódio de retenção urinária, com necessidade de algaliação prolongada; parestesias do membro inferior esquerdo, nádegas e períneo bem como deiscência da ferida perineal. Estas situações foram abordadas conservadoramente, com evolução favorável. O doente teve alta ao 10.º dia pós-operatório. O exame anatomopatológico confirmou tratar-se de um tumor neuroendócrino bem diferenciado, grau 2, localmente avançado, associado a lesão cística malformativa. Verificou-se metastização ganglionar (2/28 no mesorreto e 2/2 na região obturadora direita), invasão perineural e linfática, sem invasão venosa. A resseção cirúrgica foi R0. O doente foi proposto para realização de tratamento adjuvante com análogos da somatostatina. Aos 5 meses após cirurgia, realizou TC abdominopélvico que revelou progressão das lesões ósseas e metastização hepática e esplénica de novo. Por decisão do Grupo Oncológico, iniciou quimioterapia com FOLFOX, sendo posteriormente alterado o esquema para De Gramont. Por persistência das lesões metastáticas, com hiperexpressão dos recetores de somatostatina, suspendeu quimioterapia e reiniciou terapêutica com análogos da somatostatina. 5 anos após cirurgia, o doente mantém lesões metastáticas admitindo-se progressão sob quimioterapia, tendo sido alterada a linha de tratamento. O doente iniciou tratamento com PRRT (peptide receptor nucleotide therapy), com Lutécio, mantendo terapêutica com análogos da somatostatina. De momento, o doente encontra-se assintomático. Discussão: Dada a raridade da SC, sobretudo em adultos, não existem guidelines sobre qual o tratamento e seguimento mais adequados nestes casos. A abordagem terapêutica deve ser individualizada, tendo em consideração a gravidade da apresentação clínica, a qual habitualmente está relacionada com a expressão fenotípica da síndrome. De acordo com a literatura, a lesão pré-sagrada deve ser ressecada na maioria dos casos, mesmo em doentes assintomáticos, permitindo evitar as complicações que podem estar associadas, como meningite e potencial transformação maligna, a qual ocorre em 1 a 2% dos casos. A SC tem hereditariedade autossómica dominante, com baixa penetrância e elevada variabilidade fenotípica, pelo que o número de portadores da mutação do gene MNX1 está subestimada. Neste sentido, a realização de investigação e estudo cuidado dos doentes com malformações anorretais e/ou defeitos sagrados, ainda que isoladamente, assume especial importância no sentido de permitir diagnosticar e tratar adequadamente os casos de SC. Conclusão: Dada a raridade da síndrome de Currarino e a sua predominância em idade pediátrica, torna-se essencial manter um elevado índice de suspeição. Nos casos diagnosticados em adultos, a apresentação é frequentemente atípica, o que pode condicionar um atraso no diagnóstico e, desta forma, comprometer o prognóstico. Referências: 1. Hage P, Kseib C, Adem C, Chouairy CJ, Matta R. Atypical presentation of currarino syndrome: A case report. Int J Surg Case Rep; 2019. 2. Dworschak GC, Reutter HM, Ludwig M. Currarino syndrome: a comprehensive genetic review of a rare congenital disorder. Vol. 16, Orphanet Journal of Rare Diseases. BioMed Central Ltd; 2021. 3. Kassir R, Kaczmarek D. A late recognized Currarino syndrome in an adult revelead by an anal fistula. International Journal of Surgery Case Reports Vol 5, 2014. 4. Kim HJ, Ho IG, Ihn K, Han SJ, Oh JT. Clinical Characteristics and Treatment of Currarino Syndrome: A Single Institutional Experience. Advances in Pediatric Surgery; 2020. 5. Koizimi C, Fernandes M, Lopes L, Lobato FC, Leonardo SF et al. Sindrome de Currarino Associada ao Tailgut Cyst: Ressecção Abdômino-Sacral Cristiane Koizimi Martos Fernandes e Cols. Sindrome de Currarino Associada ao Tailgut Cyst: Ressecção Abdômino-Sacral Space that can be a Part of the Currarino Syndrome; 2007. 6. Little TA, Compson KE, Hall K, Murdoch MJ, Neas KR et al. Currarino syndrome with two synchronous presacral teratomas. Journal of Pediatric Surgery Case Reports; 2018. |