CASO CLÍNICO DO MÊS
Título: Apendicolito, uma causa rara de oclusão intestinal
Autores: Pedro Azevedo, Pedro Miranda, Catarina Gomes, Catarina Figueira, Gonçalo Luz, Cisaltina Sobrinho, Rita Garrido
Serviço de Cirurgia Geral – Hospital Beatriz Ângelo
Caso clínico: Apresentamos o caso de um doente do sexo masculino de 53 anos, sem antecedentes pessoais de relevo, cirurgias prévias ou medicação habitual, que recorreu ao serviço de urgência por dor abdominal, inicialmente epigástrica, com subsequente generalização ao restante abdómen com uma semana de evolução. Referia também dejeções diarreicas, tendo sido medicado sintomaticamente no Centro de Saúde, sem melhoria. Negava febre, perda ponderal, náuseas, vómitos ou perdas hemáticas gastrointestinais.
Ao exame objetivo encontrava-se taquicárdico (115 bpm), normotenso, apirético, com distensão abdominal e dor à palpação do epigastro, sem defesa. Analiticamente apresentava hemoglobina 17,0 g/dL, sem leucocitose, creatinina 1,82 mg/dL, ureia 97 mg/dL, sódio 127 mmol/L, potássio 3,5 mmol/L e PCR 36,5 mg/dL. Realizou TC abdominopélvica que evidenciou marcada distensão das ansas de delgado com ponto de transição de calibre na cavidade pélvica, no íleon distal, onde se visualiza densificação da gordura mesentérica e duas imagens arredondadas de densidade cálcica no interior de estrutura tubular, a maior medindo 18 mm. Sem evidência de líquido livre. Vesícula biliar sem alterações.
Figs. 1, 2 e 3 – TC abdominopélvica revelando distensão de todo o intestino delgado, cólon colapsado e corpo calcificado na região ileocecal (setas amarelas)
Qual a atitude a tomar perante este quadro?
- Internamento em enfermaria de cirurgia para tratamento conservador de suboclusão intestinal
- Laparoscopia exploradora
- Laparotomia exploradora
O relatório da TC levanta o ileus biliar como hipótese diagnóstica mais provável, pelo que foi colocada sonda nasogástrica com saída de 500 mL de conteúdo biliar, instituiu-se fluidoterapia adequada e o doente foi levado para o bloco operatório. Foi submetido a laparotomia exploradora, constatando-se distensão de todo o intestino delgado e peritonite purulenta na cavidade pélvica com origem numa apendicite aguda com gangrena e perfuração da base com impactação por 2 apendicolitos com 5 e 20 mm de maior dimensão, que foram extraídos pelo orifício. A vesícula biliar não apresentava sinais inflamatórios ou de isquémia.
Qual a solução cirúrgica para este caso?
- Completar a apendicectomia, encerrar e invaginar a base apendicular
- Ressecção ileocecal
- Hemicolectomia direita
Dado não haver sinais de isquémia do cego ou do íleon terminal, foi realizado o encerramento e invaginação da base apendicular, lavagem e drenagem da cavidade abdominal. O doente teve uma evolução favorável durante o internamento, tendo cumprido 6 dias de antibioterapia com amoxicilina + ácido clavulânico e tendo tido alta ao 6º dia pós-operatório, sem dor, a tolerar dieta, com trânsito intestinal mantido.
Discussão: Apendicolitos são formações sólidas de fezes e depósitos minerais, tendo habitualmente menos de 1 cm de maior dimensão. Quando têm mais de 2 cm são designados apendicolitos gigantes.1 São mais frequentes nos homens em idade pediátrica ou jovens adultos.2 Geralmente são assintomáticos e, quando se manifestam, é sobretudo por obstrução do lúmen apendicular, causando congestão venosa, isquémia do apêndice e, consequentemente, apendicite aguda.1 Neste caso clínico, para além da apendicite aguda, o apendicolito também foi responsável pela obstrução da válvula ileocecal. A presença de uma lesão calcificada nesta localização com distensão intestinal a montante faz diagnóstico diferencial com um cálculo biliar obstrutivo, isto é, um quadro de ileus biliar.3 Neste caso, a ausência de alterações vesiculares e de aerobilia diminui a probabilidade deste diagnóstico.
Perante este quadro de suboclusão intestinal com 8 dias de evolução, com um obstáculo identificado não passível de resolução conservadora, a estabilização seguida de terapêutica cirúrgica é imperativa. Mesmo sem oclusão intestinal, em casos de apendicite aguda com apendicolito identificado em exames de imagem, a taxa de falência de tratamento conservador é elevada, com um risco importante de complicações (perfuração e abcesso em 40 a 50% dos casos), pelo que o tratamento é também cirúrgico.4,5
Neste caso, a via laparotómica foi escolhida, não só pela distensão intestinal que dificulta o acesso seguro à cavidade abdominal, mas também pela diminuição do espaço de trabalho e, se se tratasse de um ileus biliar, pela dificuldade em avaliar todo o delgado para averiguar a presença de mais cálculos ao longo do intestino. Encontrando uma apendicite aguda, o tratamento passa pela apendicectomia com extração dos apendicolitos. Na ausência de isquémia ou de perfuração da região ileocecal não há necessidade de resseções mais alargadas.
Bibliografia:
1Rampersad C et al, Case of a Giant Appendicolith, Cureus 14(2): e22034
2 Pahissa RA, Lin-Hurtubise KM. Giant Appendicolith: A Case Report and Review of the Literature. Mil Med. 2020 Sep 18;185(9-10)
3Santiago J et al, Gallstone ileus presenting as obstructive gangrenous appendicitis, Rev Esp Enferm Dig2017, 109(2):150-151
4Thapa N et al, Case of giant appendicolith: A common ailment with a rarefinding, Clin Case Rep. 2023;11:e7372
5Singhal S et al, Giant appendicolith: Rare finding in a common ailment, J Minim Acess Surg. 2016; 12(2): 170-172