Discussão: A endometriose é uma doença benigna definida pela presença de células endometriais fora da cavidade uterina e afecta cerca de 12% das mulheres em idade reprodutora. A endometriose profunda define-se pela invasão subepitelial das lesões excedendo os 5mm de profundidade e está associada a grande impacto na QoL pelo potencial para dor pélvica crónica. É a causa mais frequente de infertilidade feminina. No caso descrito, demonstra-se envolvimento intestinal típico e que ocorre em 10% das mulheres afectadas pela doença: nódulo com >1cm localizado ao compartimento posterior, envolvendo o recto alto e septo recto-vaginal. O envolvimento rectal e sigmoideu representam 90% dos casos de doença intestinal. A sintomatologia ocorre por menstruação “extra-uterina” com inflamação associada e posterior fibrose com retracção / fixação dos órgãos pélvicos. A história natural da doença não é completamente compreendida, mas, tipicamente, as lesões de endometriose profunda progridem lentamente. Classicamente, o diagnóstico é tardio dada a inespecificidade dos sintomas e a baixa predisposição dos clínicos para o diagnóstico da doença. No caso desta doente, a rectorragia fazia parte do quadro inicial, algo pouco frequente mesmo no envolvimento transmural. O estadiamento da doença é obtido com recurso preferencial a RMN pélvica pela sua elevada sensibilidade (88%) e especificidade (98%) com um PPV de 95%. No caso descrito, são descritos achados tipicamente associados ao envolvimento intestinal: envolvimento dos ligamentos uterosagrados e do torus uterino. A decisão sobre cirurgia é considerada caso a caso e deve ter em conta a idade da doente, gravidade dos sintomas e desejo de gravidez. No caso de envolvimento intestinal, a excisão completa da doença está associada a elevada eficácia no controlo da dor e no aumento das taxas de gravidez nos 2 anos seguintes à cirurgia. A abordagem minimamente invasiva por laparoscopia ou robótica é o Gold Standard. No entanto, dado tratar-se de uma doença benigna e em doentes jovens, a preservação de função e redução de complicações deve ser prioritária na estratégia de tratamento cirúrgico. A opção do tipo de ressecção intestinal a realizar deverá ser, sempre que possível, o mais conservador possível, uma vez que a taxa de complicações (deiscência, fistula recto-vaginal, abcesso pélvico, colostomia derivativa) aumenta com procedimentos mais complexos, nomeadamente a RAR. No caso clínico descrito, a doente não apresentava critérios tipicamente associados a necessidade de RAR: envolvimento multifocal extenso, estenose >50% ou envolvimento >50% da circunferência intestinal. Desta forma, foi possível realizar uma ressecção discoide com recurso a calibrador rectal e a sutura mecânica por via transvaginal, permitindo preservar função defecatória e minimizar risco de complicações. Referências Bibliográficas: Working Group of ESGE. Recommendations for the surgical treatment of endometriosis. Facts Views Vis Obgyn, 2019, 11 (4): 269-297. Darici E, Salama M, Bokor A et al. Different segmental resection techniques and postoperative complications in patients with colorectal endometriosis: a systematic review. Acta Obstet Gynecol Scand 2022; 101:705-718. Habib N, Centini G, Lazzeri L et al. Bowel endometriosis: current perspectives on diagnosis and treatment. International Journal of Women’s Health 2020; 12 35-47 Ferrero S et al. Bowel Resection for intestinal Endometriosis. Best Practice and Research Clinical Obstetrics & Gynaecology, vol 71, Mar 2021, 114-128 Bendifallah S et al. Surgical Outcomes after Colorectal Surgery for Endometriosis: Systematic Review and Meta-Analysis. Journal of Minimally Invasive Gynaecology vol 28, n3, Aug 2020.
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