SÓCIOS
Junho 2024

Artigo do Mês – Junho 2024

Comentário sobre o artigo "Robotic approach to colonic resection: For some or for all patients?"

O artigo intitulado "Robotic approach to colonic resection: For some or for all patients?" de Sentilnathan Subramaniam et al. apresenta uma discussão detalhada sobre a aplicação da cirurgia assistida por robótica (RAS) na ressecção do cólon.
A introdução do artigo destaca os benefícios bem estabelecidos da RAS em espaços estreitos, como a cavidade pélvica (caso da cirurgia do reto), e questiona se esses benefícios se estendem à cirurgia de ressecção do cólon. A comparação entre RAS e cirurgia laparoscópica (LS) é central na discussão, considerando que estas são as  modalidades atuais de cirurgia minimamente invasiva (MIS).

Os autores defendem um uso seletivo da RAS, salientando que, apesar de existirem melhorias em alguns resultados a curto prazo, como menor perda de sangue e menores taxas de conversão para cirurgia aberta, a RAS ainda enfrenta desafios significativos. Estes incluem tempos operatórios mais longos e custos mais elevados, sem uma vantagem clara nos resultados a longo prazo, como a sobrevivência livre de doença (DFS) e a sobrevivência global (OS), que são comparáveis aos da LS. Além disso, os benefícios da RAS, como uma estadia hospitalar ligeiramente mais curta, podem não ter grande significado clínico.

A questão dos custos é particularmente destacada, com os autores a apontar que o custo elevado da RAS, devido ao alto investimento na plataformas robótica e consumíveis, limita a sua acessibilidade, especialmente em países em desenvolvimento e em instituições de saúde de menores dimensões. O estudo citado de Ng et al. revela que a colectomia assistida por robótica tem um custo de hospitalização 21% mais elevado do que a LS, sem uma redução proporcional nos custos ao longo do tempo.

Outro ponto crítico abordado é o tempo cirúrgico. Em muitos hospitais, os sistemas robóticos são partilhados entre várias equipas cirúrgicas, resultando em tempos limitados de uso e potenciais atrasos no tratamento. Esta limitação é maior em países em desenvolvimento, onde a dependência de um único sistema robótico pode comprometer o tratamento dos pacientes  em tempo útil, sobretudo em casos de doença maligna que requer tratamento com urgência relativa.

A precisão cirúrgica e a ergonomia são destacadas como vantagens da RAS, especialmente em procedimentos técnicos complexos e/ou em espaços estreitos. A falta de feedback háptico, anteriormente uma grande limitação, está a ser resolvida com os novos sistemas que estão a entrar no mercado, melhorando a segurança e a eficácia das cirurgias robóticas.
Em termos de indicações específicas, a RAS mostra-se vantajosa em procedimentos como a excisão completa do mesocólon (CME) e a laqueação vascular central (recentemente recomendada pelo American College of Surgeons: Ann Surg Oncol 2023; 31:6–9 https://doi.org/10.1245/s10434-023-14414-2), onde a precisão é crucial. Além disso, a RAS facilita a sutura intracorpórea, sendo particularmente benéfica para cirurgiões menos experientes na técnica laparoscópica.

Apesar das suas vantagens, o artigo conclui que a RAS não deve ser utilizada rotineiramente em todas a cirurgia de resseção do cólon, devido aos seus custos elevados e à falta de superioridade significativa em termos de resultados oncológicos e pós-operatórios. Em vez disso, uma abordagem seletiva é recomendada, reservando a RAS para casos onde os seus benefícios específicos possam ser plenamente aproveitados. No entanto, os autores acreditam que, com a evolução contínua da tecnologia e a potencial redução de custos, a RAS acabará por ser utilizada em todos os casos de resseção do cólon.

Este artigo proporciona uma análise equilibrada e crítica sobre o papel da RAS na cirurgia de ressecção do cólon, sublinhando a necessidade de uma avaliação criteriosa para determinar a sua aplicação mais eficaz.
Artigos de opinião como este são cruciais, pois fornecem uma análise ampla das tecnologias cirúrgicas emergentes e ajudam a orientar a prática clínica na ausência de ensaios clínicos randomizados em larga escala, que são difíceis de conduzir na investigação cirúrgica.

Carlos Vaz
 
LER ARTIGO
Maarten J Pruijt, Floris A E de Voogd, Nahid S M Montazeri, Faridi S van Etten-Jamaludin, Geert R D’Haens, Krisztina B Gecse, Diagnostic Accuracy of Intestinal Ultrasound in the Detection of Intra-Abdominal Complications in Crohn’s Disease: A Systematic Review and Meta-Analysis, Journal of Crohn's and Colitis, Volume 18, Issue 6, June 2024, Pages 958–972, https://doi.org/10.1093/ecco-jcc/jjad215
 
 
Ao longo dos últimos anos, a ecografia intestinal tem demonstrado um papel crescente no diagnóstico e monitorização da doença inflamatória intestinal, nomeadamente da doença de Crohn. A ecografia intestinal permite não só avaliar a atividade e extensão da doença, como também identificar complicações, nomeadamente fístulas, estenoses e abcessos, com elevada acuidade.

Recentemente, foi publicada a primeira revisão sistemática com metaanálise que avaliou a sensibilidade e especificidade da ecografia intestinal na deteção de complicações da doença de Crohn, acrescentando ainda informação quanto à acuidade das técnicas complementares, como a ultrassonografia do intestino delgado com contraste oral (SICUS), ou endovenoso (CEUS) e a elastrografia, na deteção das complicações.
Esta revisão reuniu 68 estudos, a maior parte dos quais prospetivos, integrando 23 na metaanálise (realizada para a ecografia convencional e SICUS), englobando 3863 doentes.
Relevatimente às estenoses, a análise de 16 estudos demonstrou boa sensibilidade e especificidade da ecografia intestinal convencional. A administração de contraste oral acentua a dilatação do segmento pré-estenótico permitindo uma melhor visualização do trajeto estenótico. De facto, a SICUS teve uma excelente acuidade no diagnóstico de estenoses.

Quanto à distinção da natureza inflamatória ou fibrótica da estenose, a ecografia parece ter um papel, particularmente combinando a CEUS e elastografia, no entanto os dados existentes são contraditórios e a maior parte dos estudos não usa histologia como método de referência.
No que concerne às massas inflamatórias, foram incluídos 11 estudos homogéneos, que apresentaram uma boa sensibilidade e especificidade da ecografia intestinal convencional. Quanto à SICUS, foram avaliados 3 estudos, que revelaram uma excelente sensibilidade e especificidade. Os estudos reportam, no entanto, limitação na identificação de massas inflamatórias profundas ou na cavidade pélvica.
Relativamente à diferenciação da natureza da massa inflamatória (abcesso versus fleimão), os estudos disponíveis apontam para uma boa acuidade da CEUS.

Na avaliação das fístulas, foram incluídos 14 estudos, obtendo-se uma razoável sensibilidade e uma ótima especificidade com a ecografia intestinal convencional. Os 3 estudos que avaliaram a SICUS, apresentaram uma excelente sensibilidade e especificidade. De referir que, em alguns estudos, a acuidade da SICUS foi comparável à da ressonância magnética.
Os resultados devem ser vistos com alguma crítica dadas as limitações desta revisão, nomeadamente pelo facto de incluírem estudos com viés de seleção de doentes mais graves e com amostras relativamente pequenas, podendo sobrestimar os resultados. No entanto, trata-se da evidência disponível atualmente na literatura.

Concluindo, esta revisão reconfirma a utilidade da ecografia intestinal e das suas técnicas complementares na avaliação das complicações da doença de Crohn.

Mónica Francisco, Ana Maria Oliveira